Assisti o musical “Tim Maia” no
Teatro Net, em Copacabana, e recomendo aos amigos e amigas. O elenco é
excelente e o neto do Silvio Santos, Tiago Abravanel, é muito bom ator. A peça
é boa, mas não retrata a verdadeira história do Tim Maia. A razão principal de eu ter ido ver a peça foi
buscar lembranças dos tempos de juventude, em que vivi com o Tião, lá no bairro
do Rio Comprido. Eu morava na Rua Sampaio Viana e ele numa rua adjacente, a Rua
Salvador Mendonça, antes ele morou na Rua Barão de Itapagipe, ao lado do
Hospital da Aeronáutica. Fomos amigos nos idos anos de 1960 e 1970. Os locais
de encontro dos jovens da região, na época, era o Bar Divino e o magnífico
Cinema Madrid, localizados na esquina das Ruas Haddock Lobo e Matoso. A peça
foi baseada num livro biográfico escrito pelo Nelson Mota, que no meu entender
não compreendeu a rebeldia do Tim. Para os amigos de “Long River”, como nós da
zona norte chamávamos o bairro, supondo que assim valorizávamos a região, essa
rebeldia tinha razões mais profundas, havia um questionamento sobre os valores
conservadores da sociedade, inclusive sobre a injustiça social que habitava o
Brasil. Mas, Nelson Mota, eterno jurado de calouros, do Programa Flávio
Cavalcante, atual jornalista conservador e reacionário das Organizações Globo,
uma versão pobre de Paulo Francis, de estilo parecido ao do também reacionário
Arnaldo Jabor, não tem competência nem vivência para compreender um rebelde
fantástico como o Tim Maia. Portanto, apenas enxergou em Tim um bom cantor, de
vida folclórica, fazendo mil trapalhadas e um assíduo usuário de drogas. Há muita diferença entre Tim e os demais artistas
originários do Rio Comprido, Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Jorge Ben, os
outros três de condições bem mais humildes, não têm a criatividade, a
genialidade, a inteligência nem a cultura do rebelde Tim Maia. Na casa dele
nasceu um Movimento Musical de Vanguarda. Lá é criado o grupo Sputnik, em
homenagem ao satélite artificial soviético, e ele insere ao conjunto os artistas
da localidade. Viaja para os EUA numa aventura corajosa, gesto de total
rebeldia, e envolve-se com drogas muito jovem. Volta ao Brasil como deportado e
quando chega fica surpreendido com o sucesso de Roberto, Erasmo e Jorge, os
quais ele achava artistas menores, sem grande talento. É nessa época que nossa amizade cresce. Já bastante
familiarizado com as drogas Tião invade uma casa na Praça Afonso Pena e pega
uma cadeira de varanda, apenas por desafio, mas só que ali morava um militar
que não perdoou o gesto doidão e Tião acabou na cadeia. Fui visitá-lo no
Presídio da Frei Caneca, se não me
engano em 1971, e ainda lembro a seguinte história: contou-me que
passara aquela noite sem dormi, porque escrevera dezenas de cartas para os
colegas de cela, pois era o único alfabetizado entre os presos. Quando saiu da
cadeia buscou voltar à música. Em nossa turma de esquina freqüentava um amigo
mais letrado, o Gilberto Madeira Martin, mais conhecido por Gilberto careca,
que escreveu uma carta ao Roberto Carlos pedindo que lançasse artisticamente o
Tião. Dias depois Roberto envia dinheiro para o amigo dos tempos de Rio
Comprido. O Tião, ainda não era Tim, gastou todo dinheiro na compra de uma
sacola cheia de maconha. Depois de queimar toda erva com os amigos de rua,
resolveu pedir ao Gilberto para escrever uma segunda carta para o Rei da Jovem
Guarda. Mas, dessa vez, o Rei o convidou para um show e ele aproveitou a
chance, virando o consagrado Tim Maia. Daí para frente tivemos um único
encontro, num bar da Rua do Matoso, eu na Petrobrás e ele artista famoso,
militando no Movimento Religioso Racional Superior, discutimos fervorosamente,
eu iniciava caminho distante do ideário religioso e ele pregando doideiras
inexplicáveis. Mais adiante, um amigo comum, comentou comigo que o Tim
ingressara nessa seita como uma disfarce tentando evitar chantagens de
policias, os quais viviam extorquindo dinheiro, que ameaçavam denunciar a mídia
sua prisão e o seu envolvimento com drogas. Conflitante e curioso foi ver a burguesia conservadora rindo e
aplaudindo de pé a peça, cuja ideia central é o enaltecimento às drogas,
principalmente na inspiração que gerou a música “Chocolate”. A mesma burguesia
que no passado excluiu o Tião por ser negro, gordo, feio e arruaceiro das festas
em “casas de família”, o que o fez sofrer muito, e que hoje fora do teatro, na
vida real, acha que drogas são caso de polícia e não de saúde pública. O que
faz milhões de jovens, pelo mundo afora, buscarem a felicidade nas drogas? A
sociedade produz, cada vez mais, infelicidade nos cidadãos, obrigando-os a uma
competição sem fim e a um consumismo doentio. Então, uma das soluções é
descriminalizar o uso de drogas. Aliás, atitude que muitos países vêm
assumindo, inclusive o Império norte-americano.
Por José Antonio Simões
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